A medição e monitorização do consumo de energia permite-nos tirar o máximo partido do seu potencial e rendimento, evitando assim avarias e consumos exacerbados. Saiba mais sobre as vantagens da medição e monitorização de energia neste artigo de Modesto Morais (cm@iep.pt) e Tiago Teixeira (tpt@iep.pt), do departamento de Inovação, Investigação e Desenvolvimento do IEP, para a revista O Eletricista, revista técnico profissional de energia, telecomunicações e segurança.
Introdução
É notória a atual preocupação, tanto em termos económicos como ambientais, que se faz sentir em todos os pontos do nosso planeta no que concerne à utilização da energia. Esta inquietação provém de diversos fatores inerentes à situação atual em que vivemos, quer pelas alterações climáticas estas que implicam a emissão de gases com efeitos de estufa, bem como pelo clima de guerra que agora vivemos. Tendo em conta este enquadramento, entende-se que intervir de forma assertiva e preponderante numa transição energética, que se materializará através de uma maior incorporação de energias renováveis e mais eficiência energética, reveste-se de caracter estratégico para toda a economia global. Nesta missão estão naturalmente envolvidos vários setores da sociedade bem como os próprios governos.
Porém, esta transição não é tão fácil quanto parece. Efetivamente há um conjunto de ações, as quais obrigam a um grande empenho das sociedades, que têm de ser desenvolvidas, desde a sensibilização dos consumidores para fazerem uma gestão mais cuidada da utilização de energia, uma incorporação continuada de soluções energeticamente mais eficientes e a progressiva substituição das fontes de energia fóssil por fontes renováveis. Sublinhe-se que desta transformação energética estão a resultar consequências pertinentes, não só no território nacional como também a nível global, no que concerne ao aumento da competitividade empresarial, quer através da contenção de custos bem como pela reputação resultante da sustentabilidade que advém da incorporação de energias renováveis. Efetivamente, com o objetivo de reduzir os custos de produção, as empresas cada vez mais apostam em melhorar a sua competitividade diferenciando-se através da incorporação de energias renováveis endógenas (por exemplo em regime de autoconsumo) as quais garantem estabilidade nos custos da energia e, mais do que isso, já garantem custos de incorporação mais baixos do que as energias fósseis.
Todavia, não são só as indústrias que consomem energia e em particular energia elétrica. O aumento global da densidade populacional, acompanhado de mais e melhor qualidade de vida, isso incita a um maior consumo energético per-capita, nomeadamente em edifícios de habitação e de serviços. Logo desta forma quebramos o tabu de que as estruturas indústrias são as únicas grandes consumidoras de energia (o conjunto das indústrias representam 38% do total do consumo elétrico e os serviços e habitação representam 12% do consumo global de eletricidade).
De facto, apesar de não serem os únicos grandes consumidores, são os que mais consumem e são os mais impactantes no setor energético nacional e internacional.
Com isto em conhecimento e com o objetivo de reduzir o consumo de energia, analisa-se a qualidade energética e todos os seus parâmetros, de forma a detectar anomalias na rede, anomalias esses que podem comprometer a saúde de equipamentos e levar a consumos exacerbados de caráter inesperados, o que provoca acréscimos significativos na fatura energética levando também a um esforço significativo no sistema elétrico nacional.
Energia na Indústria
O consumo energético no setor da indústria representa cerca de 30 % do consumo global de energia no país. Infelizmente, este setor é fortemente dependente de recursos energéticos não renováveis, o que o torna um agente importante nas emissões de carbono, em comparação com as restantes atividades económicas. A redução da intensidade energética e carbónica na indústria, Com o principal objetivo da redução da fatura energética e da adoção de soluções energeticamente mais sustentáveis, as indústrias apostam cada vez mais, na adequação efetiva dos seus equipamentos e processos a novas tecnologias e estratégias atualmente disponíveis.
Atualmente, são poucas as indústrias que podem ser consideradas autossuficientes. Isto pode-se dever a diversos fatores, desde económicos até pessoais, no sentido em que, este tema ainda é sensível a muitas pessoas. Muitas empresas são apologistas do “Este equipamento é antigo, mas nunca avariou e funciona perfeitamente. Como este não há mais nenhum. Nem os novos superam isto.”. Estes tipos de pensamentos são difíceis de contrariar uma vez que esses equipamentos também são bem mais baratos comparativamente a outros, mais tecnológicos, existentes no mercado. Contudo, apesar das adversidades existentes, esta sensibilização tem que ser feita, uma vez que nem sempre as entidades estão consciencializadas sobre eficiência energética e a importância da mesma na redução de consumos e da fatura energética.
Como tal, e tendo em conta a importância da energia em todas as atividades fabris, a sua gestão precisa de ser cuidada e adequada relativamente aos consumos das instalações. Com o objetivo de obter os dados específicos sobre o perfil de consumos de uma empresa, são realizadas auditorias energéticas. Estas possibilitam o estudo exaustivo e detalhado dos processos produtivos e identificam os principais consumidores de energia existentes. A par destes trabalhos, também são realizados planos de racionalização energéticos, em que são estudadas as medidas a implementar, como o seu investimento, rentabilidade e a viabilidade das mesmas.
Qualidade de Energia no Sistema Elétrico (QEE)
A constante análise e controlo da qualidade da energia elétrica é, e sempre foi, algo de interesse, não só pelas empresas distribuidoras de energia, mas também pelos consumidores.
Caraterizar a qualidade da rede atualmente já não é a mesma coisa que o caracterizar da qualidade da rede de há uns anos atrás. Desde então, muitos parâmetros foram surgindo, estudos a serem realizados e mais legislações a terem que ser cumpridas. Ora, se “antigamente”, a qualidade de energia tinha a ver, meramente, com a continuidade dos serviços, ou seja, as principais preocupações eram que não houvessem interrupções de energia e que tensões e frequências fossem mantidas dentro dos limites previamente estabelecidos e/ou aceitáveis, atualmente, há mais um conjunto de parâmetros a terem que ser analisados, como a amplitude e a frequência fundamental da tensão, o desequilíbrio de tensões e a distorção harmónica [1]
Voltando ao passado. e de modo a entender um pouco melhor a qualidade que alimentava os consumidores, vamos falar sobre as cargas. Há alguns anos atrás, grande parte dos recetores ligados à rede consistiam em cargas lineares. Estas, uma vez que eram alimentadas por uma tensão de alimentação sinusoidal, a corrente que consumiam apresentava também uma forma de onda sinusoidal, com os mesmos valores de frequência. Podendo-se encontrar apenas desfasadas relativamente à tensão.
Figura 1 – Tensão e Corrente para um Sistema com Cargas Lineares [2]
Atualmente e, como consequência do avanço tecnológico e científico que se tem vindo a sentir, os equipamentos ligados aos sistemas elétricos também evoluíram, melhorando no seu rendimento, controlabilidade, custo e na diversidade de tarefas que podem ser executadas. Porém, apesar de possui todas estas regalias, apresenta algumas desvantagens que podem comprometer a qualidade da rede. O facto destes “novos” equipamentos não funcionarem como cargas lineares, faz com que a corrente que consomem não seja sinusoidal, “poluindo” a rede com harmónicos. Para além disto, a tensão também sofre alterações no seu formato, uma vez que é dependente direto da corrente que percorre o circuito. A existência de harmónicos nos sistemas de potência resultam num aumento significativo das perdas na rede de transporte e de distribuição, na degradação dos equipamentos ligados à rede, na existência de interferências nos sistemas de comunicação existentes e, sobretudo, na danificação dos sistemas de controlo microeletrónicos presentes, visto que operam com níveis de tensão muito baixos.
Como é expectável, todas as anomalias e defeitos observados apresentam custos de reparação e/ou manutenção, neste caso, elevados. É por esta razão que a qualidade de energia elétrica entregue aos consumidores finais é, hoje, objeto de grande preocupação [3].
Normalização
De modo a conter o aumento das perturbações eletromagnéticas existentes no sistema elétrico de energia na União Europeia, instituições como a International Electrotechnical Commission (IEC), o Comité Européen de Normalisations (CEN), o Comité Européen de Normalisation Électrotechnique (CENELEC) e o Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), têm elaborado normas que, entre outras, limitam o conteúdo harmónico.
Em Portugal, o principal instrumento de regulamentação da Qualidade de Energia Elétrica é o Regulamento de Qualidade e Serviço (RQS) [1].
Problemas de Qualidade de Energia no Sistema Elétrico
As disposições de qualidade de serviço no setor elétrico, de natureza técnica, dizem respeito à continuidade do serviço e da QEE. Os problemas de QEE provêm de uma grande variedade de fenómenos físicos e eletromagnéticos dos sistemas elétricos. São muitos os fatores que podem afetar a QEE, destacando-se:
- Fatores relacionados com a exploração da rede elétrica (gestão e funcionamento da rede, manutenção, entre outros);
- Fatores relacionados com o utilizador final (falhas na instalação, a poluição emitida para a rede, entre outros);
- Fatores independentes (fatores ambientais, fenómenos meteorológicos, danos causados por terceiros, acidentes, entre outros).
De acordo com a norma NP EN 50160, a caracterização da qualidade da onda de tensão é realizada com base na análise de fenómenos contínuos e de eventos de tensão.
Para os fenómenos contínuos analisados nas redes estão estabelecidos valores limite no RQS. Na Tabela 1 estão presentes as caraterísticas da alimentação em baixa tensão.
A frequência;
O valor eficaz da tensão (Root Mean Square- RMS);
A tremulação da tensão (flicker);
O desequilíbrio do sistema trifásico de tensões;
A distorção harmónica na tensão;
As cavas de tensão (voltage dips);
As sobretensões (voltage swells).
Tabela 1 – Caraterísticas da Alimentação em Baixa Tensão [4]
Analisadores de Energia – Power Quality Analysers
A utilização de analisadores de energia é a melhor forma de detectar e diagnosticar problemas nos sistemas elétricos de energia. Estes equipamentos permitem, basicamente, medir e registar ao longo do tempo, valores de tensões, correntes e de potências em vários pontos, e podem ser usados tanto em AC como em DC [3].
Os analisadores podem executar diversas tarefas e podem ter diversas aplicações.
Eles permitem calcular valores médios, eficazes, máximos e mínimos, quer de corrente quer de tensão. Podem também identificar harmónicos e calcular os valores do conteúdo harmónico total (THD – Total Harmonic Distortion). Permitem a deteção de anomalias nas formas de onda de qualquer indicador, armazenando cada evento juntamente com o instante da ocorrência. No caso de sobretensões, registam os instantes destes fenómenos e a duração dos mesmos.
Além disto, calculam os valores de amplitude e fase das tensões e correntes, impedâncias, potências aparentes, ativas e reativas, fatores de potência, desequilíbrios de fases, entre outros [3].
Figura 2 – Esquema de Ligação para uma Rede Trifásica com Neutro e Terra
Figura 3 – Montagem de um Analisador num Quadro Elétrico
Controlo e Monitorização dos Consumos
Em geral, os problemas relacionados com a qualidade da energia elétrica são identificados quando um equipamento alimentado pela rede elétrica deixa de funcionar do modo que seria suposto. Por exemplo, uma lâmpada que apresenta variações luminosas, um motor que sofre vibrações mecânicas, equipamentos a funcionar em sobreaquecimento, proteções a atuar intempestivamente e sobreintensidades, todos estes eventos podem ser indícios de problemas na QEE.
Se tais problemas não forem devidamente resolvidos, podem advir prejuízos materiais relevantes que se manifestam através da redução da vida útil de transformadores, de motores e também de equipamentos eletrónicos mais sensíveis, bem como também podem ocorrer perturbações físicas em pessoas, comprometendo a capacidade produtiva das máquinas e mesmo dos humanos.
Pelo exposto, é extremamente importante que, a partir do momento que se identifica uma falha ou um mau funcionamento no seio de uma instalação ou de um equipamento, se inicia-se um estudo para diagnosticar as causas do problema relativo à qualidade da energia elétrica. Como frequentemente se trata de diagnosticar um problema de compatibilidade eletromagnética, essa pesquisa pode envolver questões que vão para além de um simples problema de mal funcionamento de um único equipamento. Efetivamente, nestes casos, uma abordagem recomenda consiste em seguir os seguintes passos:
- Em primeiro lugar, conhecer os possíveis problemas que se poderão encontrar;
- Estudar as condições do local onde o problema foi identificado encontra;
- Se possível, medir e registar as grandezas relevantes que possam sinalizar o problema;
- Analisar os dados e confrontar os resultados obtidos com estudos e/ou simulações relevantes;
- Finalmente, diagnosticar o problema, a sua possível causa e aí propor soluções [5].
Estudo de Caso: Sobreintensidade
É fácil de perceber, através da visualização da Figura 4 qual o impacto de uma sobreintensidade num Quadro Elétrico.
Figura 4 – Quadro Danificado por Sobreaquecimento
Como podemos observar, esta anomalia está presente no barramento de Neutro. Como tal, e após a interpretação do gráfico ilustrado na Figura 5, podemos interpretar isto como correspondendo a uma elevada corrente de fuga.
A corrente de fuga consiste numa fuga inesperada do fluxo de energia dos condutores. Neste caso em particular, esta fuga deveu-se à falta de manutenção e revisão das instalações elétricas, a ligações incorretas, à precariedade e ao subdimensionamento da instalação. Como o esquema de terras desta instalação é TN-C (Ligação de massas ao neutro), o barramento neutro está a receber toda a corrente provinda do circuito, quer a corrente que alimenta todas as cargas, quer a corrente de fuga que flui para fora do circuito, visto o neutro desempenhar funções de terra.
Figura 5 – Corrente de Fuga no Barramento Neutro
A monitorização foi realizada entre os dias 20 e 25 de maio de 2022 e os resultados obtidos encontram-se com um tempo de integração de 15 minutos.
É visível que, até mesmo quando as instalações estão encerradas (dias 21 a 23), existe corrente de fuga a percorrer o circuito elétrico (≈ 13A). Em horários de funcionamento, a mesma atinge valores de ≈ 90A. Estes valores são exacerbados comparativamente aos 0A ideais.
Esta corrente de fuga poderá apresentar risco de segurança e fiabilidade para os equipamentos que estão conectados ao barramento e também um risco de vida para humanos que, não prevendo a presença de tal corrente elétrica, estejam em contacto com o referido barramento de neutro.
Conclusão
Este artigo apresenta, de forma sucinta e clara, um assunto atual e de grande relevância para todas as indústrias: o problema da qualidade de energia elétrica.
Muitos dos problemas de qualidade de energia podem fazer com que alguns equipamentos funcionem de forma incorreta e, por essa via, levar à interrupção processos de fabrico com prejuízos muito elevados. Tais problemas podem ser resolvidos quando as suas causas forem convenientemente identificadas e assim se adotem as medidas apropriadas para a sua correção.
Referências Bibliográficas
[1] | V. J. M. Peneda, “Análise da Qualidade de Energia Elétrica e dos Consumos Energéticos de uma Indústria Têxtil,” Minho, 2019. |
[2] | J. S. Martins, C. Couto e J. L. Afonso, “Qualidade de Energia Elétrica,” Guimarães, 2003. |
[3] | J. L. Afonso e J. S. Martins, “Qualidade de Energia Elétrica,” O Eletricista, Minho, 2004. |
[4] | Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, “Qualidade de Serviço Técnica,” 5 novembro 2021. [Online]. Available: https://www.erse.pt/media/0bpcucwl/contservico_qstecnica.pdf. |
[5] | S. M. Deckmann e J. A. Pomilio, “Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica,” Campinas, 2018. |